Os povos indígenas e o Projeto de Lei de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais e a repartição de benefícios

Conselho Indigenista Missionário
2015-02-25 17:00:00

 

Nós lideranças, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), reunidos em Brasília com representantes do Governo Federal, principalmente do Ministério do Meio Ambiente (MMA), dias 24 e 25 de fevereiro do corrente ano, a convite deste ministério para tratar questões relacionadas com o PL 7735/2014 (atual PLC 02/2015), após conhecer esta iniciativa de lei por meio de representantes do governo, nos manifestamos:

 

1. Lamentamos e repudiamos mais uma vez a decisão deliberada do Poder Executivo de nos excluir do processo de elaboração do Projeto de Lei, sob a conhecida pressão de setores econômicos envolvidos, apesar de tratar de questões do nosso interesse, por demais delicadas para os nossos povos, em violação à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Convenção da Biodiversidade (CDB) e da Constituição Federal. Estamos cientes de que, neste momento, em que o projeto tramita no Congresso Nacional, com aprovação na Câmara, é inócua a tentativa de aproximação dos povos indígenas.

 

2. Mesmo assim, incidiremos no processo legislativo no âmbito do Senado Federal, e exigimos, para tanto, que o governo se comprometa a defender alterações no texto aprovado pela Câmara, em favor dos direitos dos povos indígenas, evidentemente restringidos.

 

3. Entre as exigências mínimas a serem atendidas pelo governo encontram-se as seguintes alterações:

 

3.1. Estabelecer que o atestado de regularidade ocorrerá antes do acesso, como medida mínima de controle e fiscalização prévios das atividades;

 

3.2. Prever e regulamentar a hipótese de negativa de consentimento prévio, direito assegurado pela CDB e ausente do projeto;

 

3.3. Eliminar as principais limitações que ameaçam gravemente o direito à repartição de benefícios, em especial:

 

- o requisito do elemento principal de agregação de valor ao produto;

 

- a lista de classificação;

 

- a isenção para os casos de acesso anterior ao ano de 2000;

 

- a possibilidade do usuário escolher, a seu critério, a norma a ser aplicada (Medida Provisória ou a nova Lei) para a repartição de benefícios nos casos de regularização.

 

4. Tendo em vista que o decreto regulamentador deverá se sujeitar ao quanto previsto na nova Lei, estamos cientes de que, considerando-se o texto atual do projeto, são altamente limitadas as possibilidades de correção dos equívocos e vícios nele contidos, em especial aqueles relacionados às restrições aos direitos sobre o consentimento prévio e a repartição de benefícios.

 

Diante disso, reiteramos nossa posição de exigir do governo o apoio político às alterações demandadas acima no próprio projeto de lei.

 

Por essas razões, somente participaremos do processo de elaboração da regulamentação no momento adequado, qual seja, após a confirmação do texto final do projeto de lei publicado no Diário Oficial. Em que pese isso, exigimos que nenhuma medida seja adotada sem a nossa participação, em todas as fases de elaboração da norma.

 

5. Considerando que o projeto de lei em questão afeta o direito de inúmeros povos indígenas, exigimos do governo que os próximos debates e trabalhos contemplem a participação conjunta de lideranças indígenas, sem segmentação. Mais do que isso, que as lideranças de comunidades tradicionais sejam também inseridas nos mesmos processos de diálogo e participação.

 

6. Além disso, exigimos como ponto fundamental que o governo trabalhe incessantemente para que a tramitação do projeto de lei no Senado ocorra sob a relatoria de parlamentar sensível e afeto às questões indígenas, ao contrário do quanto observado na Câmara dos Deputados.

 

7. Informamos ainda que não abrimos mão do pleito inicialmente feito junto a este ministério no sentido de que seja retirado o regime de urgência sob o qual tramita o projeto, o que permitirá corrigir o grave, ilegal e admitido equívoco de excluir os nossos povos do processo de debates e construção do novo marco regulatório.

 

8. Por fim, reivindicamos do Ministério do Meio Ambiente que restabeleça a relação de parceria, colaboração e construção coletiva relativamente às políticas públicas envolvendo os nossos direitos e interesses, como determinado pela legislação brasileira.

 

Brasília - DF, 25 de fevereiro de 2015.