Via Campesina promove na África o Fórum internacional da Soberania Alimentar

2007-02-22 00:00:00

A Organização internacional de camponeses Via Campesina realiza nesta semana Fórum internacional da Soberania Alimentar no Mali, para fortalecer mundialmente conceito que defende o direito dos povos de decidir o que e como plantar.
 
A reportagem é de Verena Glass para a Carta Maior, 20-02-2007.
 
Provenientes 98 países de todos os continentes, cerca de 600 agricultores, pescadores, pastores, indígenas e representantes de movimentos de consumidores, bem como especialistas em alimentação e agricultura, ambientalistas, intelectuais e personalidades políticas, estarão na cidade de Sélingué, interior do Mali, África, entre os dias 23 e 27 deste mês, para participar do Fórum da Soberania Alimentar Nyéléni 2007, promovido pela Via Campesina.
 
Organização internacional de movimentos camponeses, a Via Campesina criou e divulgou pela primeira vez o conceito de Soberania Alimentar em meados da década de 1990. Grosso modo, o princípio advoga a autonomia dos povos para decidir soberanamente sobre as formas de produção de alimentos e agricultura que melhor convier à realidade nacional e local, sem interferência de interesses exógenos externos ou domésticos.
 
A luta pela Soberania Alimentar acabou se conformando na principal oposição ao modelo agroexportador hegemonizado por instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC), que traz no mesmo pacote a produção de alimentos de maneira uniforme, em grande escala, altamente impactante do ponto de vista social e ambiental, as tecnologias transgênicas, a uniformização mundial dos hábitos alimentares, e uma crescente ofensiva pelo controle dos meios de produção – terra, recursos naturais e pesqueiros, água, etc – por parte de mega-corporações multinacionais.
 
Não por acaso, a Via Campesina e a bandeira da Soberania Alimentar acabaram dominando os protestos durante as cúpulas da OMC de Seattle (1999), Cancun (2003) e Hong Kong (2005). Por outro lado, porém, a partir dos anos 2000 o conceito começou a ser estudado e aceito em esferas mais amplas. Em 2001, aconteceu em Cuba o primeiro Fórum Internacional sobre Soberania Alimentar, que internacionalizou o princípio, e em 2002 o tema pautou o encontro paralelo à Cúpula Mundial de Alimentação da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).
 
Foi adotado também pelo Relator Especial do Direito à Alimentação da Comissão de Direitos Humanos da ONU, Jean Ziegler, e pela União Mundial para a Natureza (UICN), organização internacional que congrega instituições governamentais e não governamentais. E em 2006, por fim, o conceito foi incluído no documento final da Conferencia Mundial da Reforma Agrária da FAO, ocorrida em Porto Alegre.
 
A ampliação do apoio político à Soberania Alimentar, a avaliação conjuntural da situação mundial do setor camponês e da produção de alimentos, e a elaboração de estratégias internacionais de luta devem ser os principais objetivos do Fórum Nyéléni 2007. Tanto que a escolha do Mali como país-cede se deve ao já declarado apoio do presidente Amadu Tumani Turé – convidado para o evento – à causa, e a inclusão do conceito de Soberania Alimentar na Constituição do país.
 
Ainda na perspectiva do reforço político, foram convidados alguns dirigentes internacionais comprometidos com o tema, como o presidente venezuelano Hugo Chavez, um representante do governo boliviano e o governador do Paraná, Roberto Requião. Segundo informações dos organizadores, porém, apenas o primeiro deverá comparecer; os outros dois justificaram a ausência em função de compromissos internos.
 
Outros convidados de peso são as indianas Vandana Shiva, uma das mais respeitadas ambientalistas do mundo, e Arundhati Roy, escritora premiada e ativista política, o egípcio Samir Amin, economista e um dos mais importantes pensadores marxistas da atualidade, o economista Martin Khor, diretor da Third World Network, o ex-relator para o direito à alimentação da ONU, Jean Ziegler, além de dirigentes dos movimentos sociais como João Pedro Stédile (MST), Dom Tomas Balduino (Comissão Pastoral da Terra), José Bové (Via Campesina e virtual candidato à presidência da França) e Paul Nicholson (Via Campesina).
 
Desafios
 
A capitalização da agropecuária e da pesca, e a sua transformação em atividade empresarial, têm sido um dos principais vetores da desestruturação econômica, social e cultural de camponeses, pescadores, indígenas, pastores e outros pequenos produtores de alimento, avalia a Via Campesina.
 
Começando pela descaracterização cultural, a nível global, dos hábitos alimentares através da homogenização industrial da comida – o que atinge também as raízes da cultura produtiva dos camponeses (não é à toa que o Mc Donalds é considerado pela Via um ícone nefasto desta realidade) -, até a commodificação da agricultura e a dependência causada pela incapacidade dos países de produzir o alimento para seu povo, passando pela aquisição de enormes quantidades de terra por corporações transnacionais e o conseqüente êxodo rural (problema que tem atingido um grande número de agricultores na Ásia), o seqüestro ou contaminação das sementes nativas e sua substituição por variedades transgênicas, os impactos ambientais destes modelos de produção, etc, tudo isso configura um quadro extremamente desafiador para os movimentos sociais, avalia a Via Campesina.
 
Neste sentido, o Fórum Nyéléni 2007 se propõe, como meta maior, a aprofundar o entendimento sobre a Soberania Alimentar (“a favor de que lutamos, quais os empecilhos para a adoção global do conceito de Soberania alimentar, e o que podemos fazer”), fortalecer as alianças entre os diferentes setores envolvidos no debate (movimentos sociais, ONGs, organismos multilaterais e governos) e acordar estratégias coletivas de ação e pressão global.
 
Para o debate dos participantes, foram propostos sete temas mais específicos: as políticas do comércio internacional e os mercados locais; a tecnologia e os conhecimentos tradicionais; acesso e poder sobre os recursos naturais; compartindo os territórios e os direitos sobre a terra e os recursos produtivos; os conflitos e os desastres: como responder em nível local e internacional; as condições sociais e a migração forçada; os modelos de produção: os impactos nas pessoas, no trabalho e no meio ambiente.
 
De tudo isso, esperam os organizadores, deve sair uma nova diretriz política e estratégica para a campanha global pela Soberania Alimentar da via Campesina.