Gil quer convocação pela liberdade digital

2005-08-09 00:00:00

Porto Alegre - A foto do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva ao lado do mega-empresário multinacional Bill Gates,
que tinha tudo para gerar críticas entre os defensores do
software livre no Fórum Social Mundial, acabou exercendo
papel inverso, quase servindo como um troféu a favor do
governo brasileiro. O pedido de um encontro com o
presidente – que acabou não sendo atendido - foi encarado
em Porto Alegre quase como uma capitulação do dono
Microsoft, por conta da posição clara que o Governo Lula a
favor do software livre. O que Bill Gates não deveria estar
sabendo é que enquanto Lula o evitava, em Porto Alegre, o
ministro da Cultura Gilberto Gil propunha “a constituição
imediata, a partir deste encontro, de uma convocação global
pela liberdade digital da humanidade, complementar à
convocação global pela erradicação da pobreza lançada por
diversas ONGs neste Fórum e abraçada pelo presidente Lula”.

O Brasil já tem papel de destaque na luta contra os
programas proprietários, como foi frisado nos debates. “A
longo prazo, o controle que a Microsoft quer exercer é o
mais perigoso, e o único lugar onde se está lutando contra
este controle da Microsoft, defendendo a implantação do
software livre, é o Brasil. Por conta disto é que Bill
Gates solicitou o encontro com o presidente Lula”,
justificou ontem o norte-americano John Perry Barlow, um
dos principais nomes internacionais na defesa do software
livre.

Encontro filmado

As tentativas da Microsoft de buscar um entendimento com o
governo Lula não se limitaram ao pedido de audiência por
Bill Gates. No Brasil, a direção da filial da empresa quer
conversar com os assessores do ministro Gilberto Gil, em
especial Cláudio Prado, responsável pela política digital
do ministério. O encontro poderá acontecer ainda em
fevereiro, mas se depender de Prado, como ele anunciou no
Fórum, será totalmente filmado para depois ser reproduzido
em público. “Se eles não concordarem, não a faremos, mas
vamos divulgar a recusa e tornar pública toda a conversa
que tivermos”, explicou Prado à Carta Maior.

No Fórum ficou claro que a discussão do software livre é
apenas parte de um embate maior. O próprio ministro da
Cultura, muito aplaudido no debate de sábado (29) -
“Revolução Digital: software livre , liberdade do
conhecimento e liberdade de expressão na Sociedade da
Informação” – foi claro ao anunciar este embate. “A batalha
do software livre, da Internet livre e das conexões livres
vão muito além delas, de seus interesses. É a mais
importante, e também a mais interessante, e a mais atual
das batalhas políticas. Claro que há uma revolução francesa,
ou várias revoluções francesas, a fazer no planeta, seja
dentro dos países, seja no comércio internacional. Ainda
nos defrontamos não apenas com discursos do Século 19, mas
também com realidades do Século 19. Mas não podemos
secundarizar o presente. E o futuro”, anunciou Gil.

“Não se trata de um movimento “anti”, mas de um movimento
“pro”, ou seja, a favor da valorização e da disseminação de
uma nova cidadania global, da capacidade de
autodeterminação das pessoas, de novas formas de interação
e articulação, da liberdade real de produção e difusão da
subjetividade, da busca do saber, da informação, do
exercício da sensibilidade e da coletividade. E como estou
valorizando o lado “pro” do Fórum, quero propor a vocês a
constituição imediata, a partir deste encontro, de uma
convocação global pela liberdade digital da humanidade,
complementar à convocação global pela erradicação da
pobreza lançada por diversas ONGs neste Fórum e abraçada
pelo presidente Lula. Sejamos corajosos e substantivos em
relação a isso”.

Esta foi, de uma forma em geral, a visão predominante nos
debates do Fórum Social. A questão do software livre se
insere numa mudança muito maior de comportamento social.
Sérgio Amadeu, presidente do Instituto de Tecnologia da
Informação, por exemplo, associa a questão do software
livre à “defesa da necessidade da distribuição do
conhecimento. O software livre altera a geopolítica do
poder na medida em que o conhecimento deixa de ser
propriedade de alguém ou um grupo e passa a ser
compartilhado em rede”.

Direito autoral

A idéia, “compartilhada” por todos os participantes do
debate é que a discussão acaba por envolver o próprio
direito autoral e a forma como ele hoje é usado limitando a
circulação de idéias e de produções artísticas. Ronaldo
Lemos, da Fundação Getúlio Vargas, especialista em Direito
Digital, citou o exemplo das editoras que, com o advento da
internet, deixaram de ter o controle do que pode o não ser
editado e veiculado. “Qualquer texto pode circular
livremente pela rede. Assim também, na industria
fonográfica se perde o controle sobre a reprodução musical,
daí o interesse em campanhas constante na grande imprensa
contra a chamada indústria da pirataria”.

Outro dos debatedores de sábado, Manuel Castells, insistiu
no fato de a era da informação não combinar um processo de
limitação e proibição. “A internet – exemplificou – é uma
tecnologia construída com uma arquitetura libertária, suas
principais aplicações foram desenvolvidas pelos próprios
usuários, sem direito proprietário”. Por isto, para ele,
não cabe se falar em controle da internet, como alguns
países têm procurado fazer”.