Observatórios combatem pensamento único

2005-08-09 00:00:00

Porto Alegre – Os barões da mídia agem como se nada fosse.
Exploram a miséria humana, espetacularizam os fatos,
distorcem a verdade, exacerbam estereótipos, incentivam o
consumismo e o individualismo. Pior: fazem fortunas com
tudo isso. Na mídia nativa e internacional, não faltam
exemplos de reprodução de preconceitos, por exemplo, contra
homossexuais, negros, mulheres e índios. Para os donos dos
grandes meios de comunicação, os sem-terra não ocupam, mas
invadem; os iraquianos não resistem à invasão norte-
americana, mas praticam atos terroristas. Nas discussões
sobre os rumos do país, importam as fofocas, não os debates
políticos.

Nos debates realizados neste 5° Fórum Social Mundial,
poucos parecem discordar que a principal característica da
globalização neoliberal no campo da comunicação é a
transformação da informação – ou do conhecimento – em
mercadoria. Nesse contexto, veículos comerciais do Brasil e
do mundo, têm um único mandamento: a busca pelo lucro. E
para atingir seus objetivos, não há limites.

A concentração dos meios de comunicação, substancialmente
radicalizada pelo capitalismo financeiro, torna homogêneos
os valores difundidos, os tipos de cobertura e as pautas
jornalísticas. Segundo o jornalista Ignacio Ramonet,
diretor do Le Monde Diplomatique, “os conglomerados de
mídia nacionais e internacionais são atualmente também os
grandes grupos capitalistas. Este fato é um dos grandes
responsáveis por aquilo que chamamos de pensamento único,
com os meios de comunicação tornando-se porta-vozes
incondicionais dos interesses do capital, que são os
interesses deles próprios”.

Ramonet alerta que a mídia convencional se transformou em
um problema fundamental para a democracia. “A informação só
circula segunda as leis de oferta e demanda, e não segundo
as leis cívicas. Não temos mais como saber quando as
informações são falsas ou verdadeiras e, por isso, vivemos
hoje uma situação de insegurança informacional, tão grave
quanto a insegurança alimentar. Este é um ambiente que,
definitivamente, não podemos chamar de democrático”.

Cooperação internacional

Para denunciar os abusos cometidos pela mídia, organizações
de diferentes partes do globo se uniram durante a segunda
edição do Fórum Social Mundial, em 2002, para criar o Media
Watch Global (MWG). Segundo seus idealizadores, a
iniciativa tem com objetivo fazer um monitoramento público
dos veículos de comunicação e evidenciar as manipulações
políticas e os erros de cobertura. Presidido pelo próprio
Ramonet, o projeto tem inspirado organizações de diferentes
países a criar comitês nacionais que fiscalizem suas mídias
nacionais. Assim como o Brasil, França e Venezuela, países
como a Argentina o México estão se mobilizando para criar
as seções nacionais do Media Watch Global.

A iniciativa internacional procura unir acadêmicos do campo
da comunicação, jornalistas e usuários de mídia na luta por
um jornalismo ético, crítico e comprometido exclusivamente
com o interesse público. “Queremos combater a dispersão das
iniciativas de fiscalização da mídia e unir esforços para a
construção de um ambiente midiático crítico, que não seja
instrumento de fortalecimento e reprodução do
neoliberalismo. Isso significa dizer que estamos em busca
da constituição de um 5o poder para fiscalizar o 4o poder”,
explicou Mario Lubetkin, vice-presidente do MWG e diretor
da agência internacional de notícias IPS (International
Press Service).

Observatório Brasileiro de Mídia

No Brasil, além de defender os interesses do capital e
difundir valores típicos das sociedades de mercado, muitos
dos barões da mídia são também representantes das
oligarquias locais. Segundo o vice-presidente do Media
Watch Global, Joaquim Palhares, “essa combinação de
interesses econômicos e políticos dos grupos regionais e
nacionais de mídia reflete diretamente na qualidade da
informação oferecida ao público. As manipulações, as
mentiras e a banalização dos fatos passaram a fazer parte
da rotina da grande imprensa brasileira”.

Para combater o pensamento único e o desvirtuamento da
função pública dos grandes meios de comunicação do país,
algumas organizações assumiram a responsabilidade de dar os
passos iniciais para criar o Observatório Brasileiro de
Mídia (OBM). “Vamos realizar este trabalho de crítica da
imprensa a partir da visão de jornalistas, intelectuais e
da sociedade civil. Queremos instrumentar a sociedade para
que ela possa enfrentar os interesses daqueles que querem
que tudo fique como está”, afirmou o pesquisador da Escola
de Comunicações e Artes da USP e atual presidente do OBM,
Laurindo Leal Filho.

Ao mesmo tempo em que desenvolve metodologias de pesquisa
científica em comunicação, o Observatório Brasileiro de
Mídia se propõe a organizar um espaço de discussão que dê
visibilidade pública às insatisfações da sociedade com as
grandes mídias. Iniciativa do Núcleo de Jornalismo
Comparado da USP, em parceria com a ONG brasileira
Observatório Social e o Media Watch Global, o projeto está
aberto a novas adesões. Núcleos de pesquisa da Universidade
de Brasília (UnB) e da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (Ufrgs), entre outros, já manifestaram a intenção de
participar do Observatório.

A primeira pesquisa realizada pelo OBM, que foi lançado
nacionalmente neste 5° Fórum Social Mundial, foi sobre a
cobertura das eleições municipais em São Paulo feita pelos
cinco principais jornais da cidade. Os resultados foram
divulgados ainda durante o período eleitoral e revelaram
uma cobertura escandalosamente favorável ao candidato do
PSDB, José Serra. “Aqui no Brasil, os grandes meios mal
conseguem disfarçar seus interesses financeiros e políticos.
Mas o fato mais grave é que fazem isso sem informar seus
leitores desses interesses”, afirmou Palhares, que também é
secretário-geral do Observatório Brasileiro de Mídia, ao
comentar os resultados da pesquisa.

Em nome do interesse público Se o compromisso com a verdade
é premissa para a atuação de qualquer veículo de
comunicação, tal afirmação deve ser substancialmente
reforçada quando feita em referência aos meios eletrônicos
como o rádio e a televisão. “Estes meios têm obrigação
moral, ética e legal de defender os interesses do conjunto
da sociedade, sob qualquer circunstância. Afinal, são
concessões públicas, ou seja, pertencem ao povo brasileiro,
e são outorgadas para que promovam o bem comum”, defendeu
Leal Filho. “Entretanto, os concessionários agem como se
fossem donos perpétuos dos canais e abusam do direito de
explorar comercialmente as concessões. Precisamos repetir
quantas vezes forem necessárias: eles não são donos, são
meros concessionários. E mesmo que possam explorar
comercialmente os canais, devem fazer isso defendendo
exclusivamente o interesse público”, completou o
pesquisador.