Abertura oficial e o papel da sociedad civil

2005-11-18 00:00:00

Sao varios os relatos mais detalhados sobre a Cupula Mundial da
Sociedade de Informacao, em varias linguas, inclusive o portugues.
Portanto, vou me restringir a apresentar algumas impressoes sobre o
processo por agora e deixar algo mais substancial para o relatorio
final que prepararei assim que retornar ao Brasil. Portanto, este nao
e um relato jornalistico, mais se assemelha a um diario de bordo.

E no minimo interessante observar, a meu ver, um certo clima de
desanimo entre os ativistas da Sociedade Civil que atuam ha mais de
cinco anos em prol de fazer chegar a ONU/WSIS os temas certos, mais
urgentes e necessarios sobre uma 'outra sociedade possivel' que pode
se concretizar por meio das TICs (Tecnologias de Informacao e
Comunicacao). Trata-se de um dos grandes desafios da Governanca
Internacional desenvolver o que eh chamado 'multistakeholder approach',
ou seja, nao deixar o debate apenas nas maos de governos - que nem
sempre agem com vistas ao interesse de seus povos - mas tambem incluir
o setor privado e as Organizacoes Internacionais da Sociedade Civil
(OISCs).

Dai se torna possivel testemunhar momentos de rara beleza, como ontem
na abertura oficial da WSIS, quando a representante das OISCs (Shirin
Ebadi - International Federation of Human Rights), fez criticas
durissimas aos governantes que impedem a liberdade de seu povo e
mantem prisioneiros politicos e de expressao, gente que nao pode
discordar em nada da politica vigente sem correr o risco da tortura ou
morte em cadeias abjetas. Disse isso ao lado e compartilhando da mesma
mesa que o presidente ha 18 anos da Tunisia, pais que nos hospeda,
pessoa conhecida nao exatamente por sua complacencia para com criticas
a sua pessoa ou seu governo. Isso se acentua na nossa percepcao a
julgar pelas milhares de fotos suas ostentadas pelas ruas,
estabelecimentos comerciais e quaisquer espacos por aqui.

Tambem e agradavel ouvir o secretario-geral da International
Telecommunications Union (ITU), Yoshio Utsumi, assumir em seu discurso
que todo ser humano tem o direito de se comunicar (right to
communicate, que eh diferente de communication rights). Ainda que
esteja provavelmente pensando na posse de um telefone celular como
consecucao desse direito. Sua fala demonstra que, aos poucos, pelo
menos a linguagem apregoada pelas OISCs comeca a extrapolar os limites
dos ja 'convertidos'.

Nessa linha, nos varios eventos paralelos, pessoas do setor privado,
de empresas como Intel, Siemens, Microsoft, Motorola, Nokia etc,
assumem que sua proxima froentira mercadologica (esse eh seu principal
interesse, e claro) estah junto aos pobres, pois perceberam no
discurso e dados fornecidos pelas OISCs que ha um mar de gente
excluida da chamada Sociedade da Informacao pela simples
impossibilidade de contar com: infra-estrutura adequada, habilidade
para manusear os equipamentos e softwares, condicoes para pagar pelos
servicos e falta de uma regulacao adequada por parte de seus governos.
O discurso neoliberal parece se encaixar como uma luva para atender
essas necessidades, a julgar pelos seus arautos do Banco Mundial que
fazem coro ao empresariado. E algo ate compreensivel essa visao,
levando-se em consideracao que onde os governos tem assumido
unicamente para si a tarefa de implementar as TICs de forma
estrategica costuma ocorrer uma coincidencia com a censura e
cerceamento a liberdade, com poucas e boas excecoes que o Brasil devia
conhecer melhor e seguir o exemplo.

Hoje pela manha se realizou, por exemplo, um evento paralelo em que
CRIS Campaign se fez presente por meio da fala de Sean O Siochru, um
dos coordenadores mais ativos em nivel mundial da luta pelos Direitos
a Comunicacao. O nome da iniciativa foi 'Which International
Institutions Reforms for Another Possible Communication and
Information Society'. A disvussao eh no sentido de tornar as
institucoes de governanca internacional mais democraticas,
transparentes, ageis e capazes de responder ao chamado das massas
marginalizadas e nao apenas de governos e empresas, que contam com
canais privilegiados de pressao sobre os funcionarios de organizacoes
como a ONU, Unesco, Unctad, ITU, Fao e outras. O acrescimo da palavra
'comunicacao' nao e casual na designacao do encontro.

Em suma, desde o fim da Guerra Fria, marcado oficialmente com a queda
do muro de Berlim (1989), a ONU inaugurou essas Cupulas, iniciando-se
no Rio de Janeiro, em 1992 (ECO-92). Antes da Cupula Mundial da
Sociedade de Informacao, a participacao das OISCs nao era oficial e
tao intensamente imbricada no proprio processo, como mais um
stakeholder com o qual governos e empresas teriam que lidar. O caminho
se mostra arduo para aqueles que buscam um mundo mais justo,
equilibrado e inclusivo. As vezes pode parecer que caminhamos muito
pouco. A indignacao - que eh sadia - pode virar amargura para alguns.
Mas vale tirar um tempo e refletir sobre os passos alcancados e entao
buscar o aperfeicoamento do processo, para que mais pessoas de outras
areas possam incorporar as preocupacoes dessa gente que se mobiliza ao
redor da luta pela cidadania e pelo respeito ao meio ambiente