O capital ou a vida

2002-07-25 00:00:00

A exclusão social no mundo capitalista não pode ser entendida apenas como
uma exclusão dos direitos econômicos, do direito ao trabalho, a educação de
qualidade, a moradia, a saúde e a uma vida digna. É também acima de tudo a
impossibilidade viver num ambiente ecologicamente saudável, harmônico e
equilibrado.

Portanto lutar contra a exclusão é lutar contra todas as facetas de uma
ordem capitalista que tem como objetivo máximo o lucro, e como “Deus” o
mercado. As conseqüências deste modo de produção causam várias misérias, a
ambiental é uma delas que atingem bilhões de pessoas em todo o mundo,
principalmente nos chamados países do Terceiro Mundo, que inclui o
Continente Africano, parte da Ásia e toda América Latina.

No Brasil, em especial no estado de São Paulo temos acompanhado os recentes
e constantes casos de contaminação por substâncias tóxicas que ameaçam as
populações vizinhas de grandes fábricas demonstram, mais uma vez, um velho
princípio: o capital é inimigo da vida. São os casos da tragédia da Rhodia,
na Baixada Santista; da contaminação no município de Paulínia que envolve a
Shell; a contaminação verificada em Santo Antônio da Posse no aterro
Montovani e, mais recentemente, a contaminação de uma área de 33 mil metros
quadrados em Mauá, onde na qual foi construído um conjunto habitacional
sobre um depósito de resíduos tóxicos da Cofap.

Poderíamos multiplicar os exemplos ao infinito, lembrando tragédias como a
do césio, em Goiás, da contaminação química na Índia, a contaminação por
mercúrio que ataca o ser humano e o meio ambiente de forma definitiva na
produção de lâmpadas pela Phillips, assim como vários outros exemplos. O
que há de comum entre todos estes casos é o velho desprezo pela vida em
nome da lucratividade do capital.

É próprio do ser humano agir sobre a natureza para moldá-la na forma de
objetos úteis à vida. Ao transformar a natureza pelo trabalho, o homem
transforma a si mesmo, se faz agricultor, artesão, oleiro, marceneiro,
pescador e daí retira os objetos úteis à manutenção da espécie: a comida, a
roupa, o abrigo, as ferramentas, etc. A sociedade das mercadorias começa
por transformar os objetos úteis em veículos de um valor de troca e a
sociedade do capital acaba por os transformar em meros meios para
realização de um valor excedente.

Tanto faz o que se produz, o que interessa ao capital é a taxa de lucro
alcançada. Não importa se é um objeto que mata a fome ou um arremedo de
alimento transgênico que mata lentamente aquele que deveria alimentar. A
lógica do capital acaba por produzir uma inversão monstruosa: não são as
mercadorias que satisfazem as necessidades humanas, mas os seres humanos
que satisfazem as necessidades das mercadorias.

Interessa à lógica das mercadorias sob o capitalismo serem produzidas e
consumidas em ciclos cada vez menores para garantir a realização do lucro.
Além desta lógica ir contra a qualidade e durabilidade dos produtos, ela é
destrutiva pelo fato de arrancar cada vez mais uma quantidade de elementos
da natureza em uma velocidade que esta não consegue se recompor. Pior, se
produz uma quantidade exorbitante de lixo, dejetos e resíduos que é jogada
na natureza sem que possa ser novamente incorporada como elemento natural.

Parte desses resíduos acaba por se constituir em verdadeiros venenos que
ameaçam a vida humana. No caso da Rhodia, houve a contaminação pelos
resíduos da produção do chamado “pó-da-china”, o hexacloro benzeno (HCB) e
o hexaclorobutadieno (HCBD). Esses resíduos altamente cancerígenos
contaminaram os lençóis freáticos e daí a areia, a terra, contaminou o
plantio de bananas e a vida nos mangues, únicas fontes de sobrevivência da
população vizinha. A areia foi levada para parques e escolas infantis e
acabou por contaminar as crianças da Baixada Santista. Somente em um dos
lixões da Rhodia, em Samaritá, havia em torno de 100 mil toneladas de
resíduos tóxicos.

No caso de Mauá, a seqüência de irregularidades é verdadeiramente absurda.
A Cofap vendeu um depósito de lixo industrial sabendo de seu conteúdo para
uma construtora que sabia do conteúdo perigoso, os órgãos públicos
averiguaram e, mesmo assim, foi projetada a construção de 72 prédios dos
quais 56 já se encontram habitados. Levantamentos da Cetesb constatou a
presença de mais de 44 substâncias tóxicas e risco de explosões. Podemos
listar, mais recentemente, diversos casos com vítimas que foram
descobertos: Os terminais da Shell e da Esso, na Vila Carioca e bairro da
Mooca, na capital paulista, que contaminaram centenas de famílias. A
produtora de bateria Ajax, em Bauru; as empresas de cerâmica em
Cordeirópolis, no Interior paulista, que infectou a população de
trabalhadores com flúor; no Vale do Paraíba, são diversos casos envolvendo
empresas multinacionais: Johnson’s, Monsanto, Basf, Panasonic, Gerdau e a
refinaria da Petrobrás, Repav. Na região do ABC, não podemos esquecer da
contaminação promovida pelo Pólo Petroquímico de Capuava em centenas de
moradores, e ainda o Poló busca apoio das autoridades para aumentar sua
capacidade de produção. Outro aspecto que é relevante nesses casos de
contaminação e que deve ser levado em conta é que os trabalhadores destas
empresas expostos dos produtos estão condenados a mortes lentas, na maioria
das vezes, muitos anos depois, o que acaba por encobrir as verdadeiras
causas dos óbitos.

Na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, a falta de vontade
política da maioria vinculada ao PSDB, impede a aprovação da CPI das Áreas
Contaminadas, cujo pedido foi por mim apresentado no ano passado.

Na esfera federal, a burocracia do Ministério do Meio Ambiente retarda o
envio para ratificação do Congresso Nacional dos termos do acordo
internacional firmado em Estocolmo, Suécia, no ano passado, que prevê o
banimento dos 12 poluentes considerados mais nocivos ao meio ambiente à
saúde pública.

É evidente a pressão brutal que as grandes empresas, responsáveis pela
produção e manejo inadequados desses produtos fazem contra os avanços na
legislação e nos mecanismos de gestão ambiental controlados pelo Estado.
Boa parte desses produtos tem sua fabricação proibidas em países ricos e,
uma vez proibidas aqui, depois de escândalos como estes, a produção passa
para a África. Isto demonstra de forma cabal que para os atuais donos do
mundo os povos pobres do Terceiro Mundo não fazem parte do pequeno círculo
que eles próprios definiram como humanidade.

Contra esta política que leva à destruição e à morte é preciso lutar. Lutar
pela preservação do meio ambiente, em defesa da vida, é uma das trincheiras
importantes dos socialistas neste início de século.

* Wagner Lino, deputado estadual do Partido dos Trabalhadores de São Paulo.